quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A jornada (e a emoção) do conhecimento humano


No primeiro sábado de novembro, dia 03, aconteceu a penúltima sessão de 2012 do Ciência em Foco, com a exibição do clássico 2001: uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick, seguido da palestra Parmênides e a luz do luar, ministrada pelo professor do Departamento de Filosofia da UFRJ, Fernando Santoro. A jornada mostrada no filme, trazida à tela por Kubrick e Arthur C. Clarke, descreve a busca de respostas que poderiam ressignificar o lugar da humanidade no universo. Embora ambientada em um futuro próximo, a odisseia nos remete também à aurora do pensamento filosófico, ligada aos primeiros esforços no caminho de um conhecimento da natureza. Esta jornada serviu de inspiração e pontapé inicial para as reflexões de Santoro, centradas no primeiro testemunho do conhecimento científico de que a luz do luar não pertence à lua. Ao conjugar poesia, ciência e filosofia, 2001 desenvolve certas ideias que criam ressonâncias com a expressão poética de Parmênides.

A primeira ideia fundamental do filme, apontada por Santoro, é a de um salto epistemológico que pode ser percebido em determinados pontos-chave do filme. O primeiro destes saltos foi ilustrado na cena em que o primata joga um osso no ar, após utilizá-lo pela primeira vez como um instrumento. Por meio de um corte, o osso no ar se transforma em uma espaçonave, milhares de anos no futuro. O filme é pontuado por cenas que ilustram este salto, nos apresentando momentos de transformação do conhecimento e da experiência humana. Outra ideia levantada por Santoro é a da importância e relevância da lua no filme, que se relaciona com o fato da imagem da lua se associar com uma série de enigmas que movimentaram a curiosidade humana. A terceira ideia é a da função da luz na imagem constituída da lua e dos planetas no filme, cuja expressão artística se traduz em um diálogo com a questão do conhecimento da própria substância da luz presente na luz do luar. Em sua apresentação, Santoro também destacou a presença de prazeres e emoções inerentes a determinados momentos da atividade científica, ao ofício do pesquisador. Expressar a força destes prazeres e emoções seria um modo de tornar poético o conhecimento científico.

Uma expressão desta magnitude pode ser encontrada em um dos mais belos versos da poesia grega, trazido por Santoro, que se fez a partir de uma emoção associada ao conhecimento da natureza. Trata-se de um único verso do poema Da Natureza, de Parmênides, citado por Plutarco: "Brilho noturno de luz alheia vagando em torno à terra." Santoro propôs um retorno a um tempo em que o conhecimento, por exemplo, de que a lua reflete a luz do Sol, não era ainda um conhecimento banalizado. Um tempo em que o homem, imerso em um cenário povoado por deuses e compromissos sagrados, efetuava um corajoso salto para um tipo de conhecimento que se voltava aos processos naturais, como o percurso dos astros celestes e as sucessões das estações do ano. Em suas colocações, Santoro comentou a banalização do conhecimento que resulta no esquecimento daquelas emoções do pesquisador diante do que se dá a conhecer, associando-a à perda de um dos mais fundamentais aspectos da pesquisa científica: o reconhecimento da importância do não-saber como possibilidade de se alcançar uma experiência autêntica com o saber e a verdade.

Poderia a experiência de conhecer trazida por Parmênides ser ainda hoje experimentada como algo não banal? Estranha-se, nos tempos atuais, que um poema possa apresentar a natureza do mundo no lugar de uma demonstração teórica, do mesmo modo que seria estranho, na época de Parmênides, apresentar uma verdade nos moldes de uma demonstração, e não como revelação. As duas formas de conhecer, por demonstração e revelação, se cruzam no poema, que não apenas nos apresenta uma verdade astronômica, mas também nos revela o engano provocado pelas aparências, indicando o caminho da reflexão para se alcançar o conhecimento verdadeiro. O verso também carrega uma verdade própria à poesia, quando sua construção remete à verdade dos processos naturais, já que a expressão "brilho noturno" não se refere à lua, mas à própria luz. Deste modo, a própria "lua" se oculta no verso, não está aparente, revelando pela poesia que a luz do luar não provém dela, mas de sua errância em torno da Terra. Esta seria uma bela ressonância poética com uma das cenas mais espantosas do filme 2001, da criança-estrela vagando em torno do planeta: a transformação operada pelo conhecimento é sempre tributária da errância, da reflexão e da meditação que, por meio de comparações e a partir do raciocínio, consegue se acercar das razões da natureza sensível.

Nossa próxima sessão - a última da temporada 2012 - acontecerá no dia 1º de dezembro. Teremos um encerramento de ano memorável, exibindo um dos últimos filmes de Orson Welles, Verdades e mentiras (F for Fake - 1973). Teremos a honra e a alegria de receber, como convidado do mês, Adalberto Müller, doutor em Letras pela USP, pós­‐doutor pela Universidade de Münster, Alemanha, professor de Teoria da Literatura e Cinema e Literatura da UFF. Ele apresentará a palestra F de Falso: o autor e seus duplos. Anotem na agenda, compartilhem pelas redes sociais (como o Twitter e o Facebook) e divulguem para os amigos. A entrada é franca. Até lá!




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