quarta-feira, 24 de abril de 2013

A vida e a condição da arte, entre a razão e a sensação

No dia 6 de abril, o Ciência em Foco exibiu o filme Morte em Veneza (Morte a Venezia, 1971), de Luchino Visconti, seguido da palestra A condição da obra de arte e o tarde demais, ministrada pelo filósofo Auterives Maciel Junior, doutor em Teoria Psicanalítica pela UFRJ. Ele convidou o público a pensar sobre a relação entre vida e arte, a partir de elementos da filosofia. Iniciando sua fala com uma breve incursão pela obra e a vida de Visconti, Auterives salientou alguns temas recorrentes nos seus filmes, como a decadência da aristocracia europeia. O filme parece situar o choque entre dois tempos: o passado que fornece os valores e o ambiente fechado da aristocracia, e o presente que questiona a manutenção daqueles valores e a existência daquela classe, que parece fechada em si mesma, sem abertura para o novo. Ao mostrar a aristocracia deslocada no tempo, percebemos que ela existe cercada de obras de arte, e que a arte é a todo momento interrogada. Embora a arte não apareça como tema central do filme, ela pode ser apreendida como questão a partir da qual o protagonista também interroga sua prática.

O personagem principal do filme, o músico Aschembach, tem como obsessão a beleza. No entanto, ele se frustra ao tentar encontrar a beleza na arte que produz. Ele encontrará indícios desta beleza materializada em outro personagem, o jovem Tadzio. Não se deve, portanto, confundir a obsessão de Aschembach por Tadzio como uma paixão sublimada na direção da perfeição da forma. O encontro com Tadzio fornece a ele a revelação de uma beleza sempre buscada, sem sucesso, em sua profissão. Tendo em vista que a obra de arte é a expressão da beleza, pode-se perguntar qual seria a sua condição. Encontramos a beleza no sensível, na natureza? Ou apenas em uma dimensão inteligível, de pura razão? O protagonista fracassa ao investir no lado racional, na busca da forma ideal, e a vida acabará por mostrar a ele um outro caminho, reenviando sua compreensão da beleza à sensação. Auterives prosseguiu situando a pergunta pela condição da obra de arte na tradição do pensamento filosófico. Embora a questão tenha sido retomada por Visconti no cinema, e trazida por Thomas Mann na novela que inspirou o filme, o problema que ela engloba nasce no final do século XVIII, na Europa. Trata-se da Estética, uma forma de pensar que se ocupará da obra de arte, entendendo-a como expressão de uma conjunção entre elementos sensíveis e inteligíveis. Investigando a relação entre o sentir e o pensar, a estética cuida da conexão entre o pensamento - racional, lógico - e algo de outra ordem, que se conjuga com ele – a sensação, a subjetividade.

Teríamos, na obra de arte, uma forma de tornar visível o pensamento, a partir dos elementos sensíveis que afetam o espectador, suscitando emoções. Percebemos que o protagonista faz interrogações estéticas, preocupado em saber se o que ele produz pode ser considerado, de fato, como arte. Seu fracasso como artista decorre da crença de que a beleza reside na forma, na abstração racional, uma beleza ideal e esvaziada de emoção. Aquilo que ele sempre buscou na arte, no entanto, ele encontrará na vida, a partir de um encontro imprevisível. A condição do protagonista representa a impossibilidade de promover vida à obra, quando ele se volta ao excesso de saber, ao excesso de racionalidade no seu afazer artístico, separando o pensamento da vida. Apesar de possuir a técnica, o saber racional sobre a obra de arte, falta-lhe ainda a emoção, que ele só conseguirá realizar na forma do amor-paixão, quando se depara com aquilo que ele nunca havia encontrado na criação artística: a beleza não depurada da sensação. Não se trata mais de pensar a beleza como pura forma, ideal, mas de pensá-la em conjunção com a sensação, que movimenta o pensamento e os sentidos ao mesmo tempo, estimulando a vida na medida em que lhe confere um aumento de potência.

Neste sentido, a obra de arte apareceria como expressão da mais alta potência da vida, como se a arte fosse um estímulo para a vida, onde a beleza não seria afastada das sensações. Não se trata, portanto, de um amor platônico desenvolvido pelo protagonista, já que não estamos tratando de um amor pela forma, pelo verdadeiro. Trata-se da contemplação de uma beleza encarnada que produz uma atração, para a qual o protagonista já não consegue dar conta. Esta impossibilidade serviu a Auterives para comentar a noção temporal do 'tarde demais', que utilizou para pensar a condição da obra de arte. A dimensão do 'tarde demais' seria um acontecimento que promove uma abertura, uma revelação a partir de algum conflito. É uma expressão temporal que revela o tempo como criação. O protagonista, que dedicou sua vida e seu tempo buscando a beleza na forma e na ideia, experimentou uma revelação no encontro com o jovem Tadzio, reencontrando a unidade entre beleza e sensação, mas apenas no momento que coincide com o fim de sua vida.

Quem não esteve presente no dia, ou quem quiser rever a palestra, em breve poderá conferir os vídeos aqui no blog. Inauguraremos a nossa seção de vídeos das palestras em breve, com as duas sessões de 2013. Agradecemos o inestimável apoio dos profissionais da APILRJ (Associação dos Profissionais Tradutores/Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais do RJ). Pedimos desculpas antecipadas pois, excepcionalmente, não haverá sessão do Ciência em Foco no dia 4 de maio, devido à reforma elétrica dos espaços da Casa da Ciência da UFRJ. Retornaremos apenas no dia 1º de junho, com o filme O homem urso (Grizzly man – E.U.A., 2005), de Werner Herzog. Teremos a honra e a alegria de receber, como convidado do mês, Guilherme Sá, doutor em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, da UFRJ, professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) e líder do Grupo de Pesquisa Laboratório de Antropologia da Ciência e da Técnica (LACT) – UnB/CNPq. Ele é autor do livro No mesmo galho: antropologia de coletivos humanos e animais (editora 7letras, 2013). Anote na agenda e acompanhe nosso blog para mais informações. Até junho!


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