quinta-feira, 30 de maio de 2013

o complexo de espelho no mundo dos animais


“Se o movimento feminista já pontuou com muita clareza os problemas de generalização da categoria “Homem” para tratarmos daquilo que conhecemos por espécie humana, atualmente verificamos uma mobilização animalista que contesta a centralidade do humano para nos referirmos aos outros animais”.

Guilherme Sá, Doutor em Antropologia Social pelo PPGAS-Museu Nacional-UFRJ, professor do Departamento de Antropologia da UnB, líder do Grupo de Pesquisa Laboratório de Antropologia da Ciência e da Técnica – LACT – UnB/CNPq e palestrante do Ciência em Foco de junho de 2013.

1) "O homem urso" (Grizzly man, 2003) é um documentário que explora a trajetória e os últimos momentos da vida de Timothy Treadwell, um cinegrafista da vida selvagem e sua companheira. Ao investigar o fascínio que ele nutria pelos ursos que observava, o diretor Werner Herzog se apropria dos registros em vídeo, deixados por Timothy, e produz um ensaio cinematográfico que nos faz pensar sobre as fronteiras e as tensões entre o mundo humano e não humano. Como pensar o papel da imagem neste processo, e na relação entre o registro documental e o artístico?

A utilização de uma estética da visualidade nos remete à relação entre observador e observado: efeito comum ao naturalismo como sistema de objetivação na prática científica. A questão é que, como fica evidente no filme – de forma trágica –, toda observação pressupõe o estabelecimento de uma relação em que o sujeito, que compõe o cientista, também passa a ser objetivado; no entanto, das formas mais inesperadas. Igualmente, o diretor utiliza do enquadramento do documentário e sua relação com o real para reforçar a tensão entre as condições ambíguas de humanidade e animalidade, virtude e oportunismo, paixão e risco etc, cobrando desta forma uma maior cumplicidade do espectador.

2) Tradicionalmente, a antropologia pode ser considerada uma ciência humana por excelência, por se dedicar a uma ampla gama de estudos que dizem respeito ao mundo humano e suas características, englobando em seus interesses as diferentes culturas, os meios sociais e sua interrelação. Neste sentido, de que maneira o olhar sobre o não humano passou a atrair o interesse da antropologia? Quais os desafios e deslocamentos que ele suscita?

A própria caracterização de uma disciplina, como o “estudo do ser humano”, vem impregnada por um espírito moderno e regulador das experiências vividas e compartilhadas no(s) mundo(s) que habitamos. Retomar essas formas de associação entre humanos e não humanos vem sendo uma tendência relativamente recente nas Ciências Sociais. Ela nos permite, entre tantas outras possibilidades, pensar relações como a estabelecida entre naturezas e culturas para além da perspectiva convencional de uma oposição universal. Podemos pensar agora em relações de continuidade, de contiguidade, e mesmo antitéticas quando operamos em um registro de diferenças ontológicas e não nas ranhuras superficiais da diversidade cultural. Se o movimento feminista já pontuou com muita clareza os problemas de generalização da categoria “Homem” para tratarmos daquilo que conhecemos por espécie humana, atualmente verificamos uma mobilização animalista que contesta a centralidade do humano para nos referirmos aos outros animais. Creio que o impacto e a dimensão política do pós-humanismo não devem ser subestimados.


3) É comum percebermos, no cotidiano e na mídia, aspectos e comportamentos específicos dos humanos projetados em representações da vida selvagem. No campo científico, certas pesquisas ligadas às ciências naturais costumam descrever as interações entre animais e seu meio a partir de aproximações com referenciais culturais humanos. No entanto, em que medida tais aproximações se traduzem em um efetivo diálogo entre as outras ciências e a antropologia? Como situar a relação entre o olhar científico e a cultura?

Parto do pressuposto de que todo olhar científico é um olhar cultural. Mas falamos aqui de algo mais específico, certos tipos de projeções bastante comuns na divulgação científica dos dias de hoje: aquele do autorretrato da humanidade a ser espelhada no mundo animal e, igualmente pernicioso, a retórica da ameaça de um atavismo que nos devolveria um “estado de natureza”. Se o primeiro nos remete à incontornável condição de antropomorfização (e não devemos confundi-la com antropocentrismo) dos outros animais no processo de construção de conhecimento, o segundo discurso reflete aquilo que Marshall Sahlins chamou de “ilusão ocidental da natureza humana”. Creio que as respostas para ambos os problemas devem ser de cunho político. No primeiro caso, através de uma “ecologia política”, como sugere Bruno Latour, que considere as performances representativas de porta-vozes em assembleias de humanos e não humanos. De forma que, relacioná-lo consigo nada mais é do que uma forma de tradução do outro. E, no segundo caso, por meio de estratégias de combate a toda tentativa de normatizar aquilo que se define como o humano tomando como referência uma única noção de natureza não negociada.
4) Contraplanos – expresse em poucas palavras (ou apenas uma) sua sensação com relação aos sentidos e problemáticas evocadas pelas seguintes palavras: humano; ciência x cultura; alteridade; homem x animal.

Controvérsias; ciência fabulosa; renaturalização.

5) Roteiros alternativos – espaço dedicado à sugestão de links, textos, vídeos, referências diversas de outros autores/pesquisadores que possam contribuir com a discussão.

http://www.upress.umn.edu/book-division/series/posthumanities
http://www.animalstudies.msu.edu/
http://www.cairn.info/revue-ethnologie-francaise-2009-1.htm
http://terrain.revues.org/933
http://www.isaz.net/anthrozoos.html
http://antropologiadaciencia.blogspot.com.br/
http://www.dan.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=180%3Aanuario-antropologico-sumario-20112&catid=21%3Aproducao-cientifica-anuario-antropologico&Itemid=32
http://4react.wordpress.com/
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515670-em-busca-de-um-novo-lugar-para-o-homem-e-a-natureza
http://hemisphericinstitute.org/hemi/en/e-misferica-101

6) Como conhecer mais de suas produções?

- Sá, Guilherme. No Mesmo Galho: antropologia de coletivos humanos e animais. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.

- “Outra espécie de companhia: intersubjetividade entre primatólogos e primatas”. In: Anuário Antropológico, 2011 (2), dezembro de 2012.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

os homens e os bichos, os bichos e os homens





"Se correr o bicho pega. Se ficar o bicho come". Este impasse existencial será tema da palestra a ser realizada no Ciência em Foco do dia 1º de junho, após a exibição do filme O homem urso (2005), de Werner Herzog. O professor convidado Guilherme Sá, Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional-UFRJ, abordará um fenômeno caro aos observadores da vida selvagem, em especial aqueles que dedicam suas vidas ao acompanhamento de animais em seus habitats naturais – “a demanda por reciprocidade no estabelecimento de relações”.

O cineasta alemão Werner Herzog produziu este documentário sobre o ecologista e pesquisador de ursos pardos Timothy Treadwell a partir de mais de cem horas de filmagem gravadas pelo próprio Timothy e sua namorada Amie Huguernard. Boa parte das imagens são registros dos últimos cinco anos em que permaneceram no Parque Nacional e Reserva Katmai, na península do Alasca.

Segundo Guilherme Sá, a vida de Timothy entre os ursos permite refletir sobre o fato de que "por vezes compreendidas como ‘vínculos sociais’, as relações interespecíficas pautam as práticas de pesquisadores e naturalistas. O acesso aos mundos não humanos, no entanto, não se dá sem paixão e risco”. E Timothy levou este risco às últimas consequências, o que faz do filme de Herzog uma valiosa matéria-prima para se levantar questões sobre a difícil relação entre homem e natureza.

Aproveite também para participar da nossa promoção! Vá até a página da Casa da Ciência no twitter (https://twitter.com/casadaciencia) e envie pra gente uma sinopse, em até 140 caracteres, de "O homem urso". A mais criativa leva o livro "Ciência em foco: o olhar pelo cinema" - que reúne 14 artigos apresentados em edições do cineclube. Dá uma olhadinha nele aqui  Não esqueça de incluir em seu post @casadaciencia e de enviá-lo até 28/05, data de encerramento da promoção! Boa sorte!!


quinta-feira, 2 de maio de 2013

Ciência em Foco, somente em junho

Devido a obras de reforma e manutenção dos espaços da Casa da Ciência da UFRJ, lembramos que não haverá sessão do Ciência em Foco no próximo dia 4/5. No entanto, aproveitamos para convidar a todos para nossa próxima sessão, que acontecerá no dia 1º de junho. Exibiremos o intrigante e premiado documentário de Werner Herzog, O homem urso (Grizzly man - E.U.A., 2005).

Após o filme, teremos a alegria de receber nosso convidado do mês, Guilherme Sá, com a palestra: Se correr o bicho pega. Se ficar o bicho come. Guilherme é doutor em Antropologia Social pelo PPGAS-Museu Nacional-UFRJ, professor do Departamento de Antropologia da UnB, líder do Grupo de Pesquisa Laboratório de Antropologia da Ciência e da Técnica - LACT – UnB/CNPq. Ele publicou recentemente o livro No mesmo galho: antropologia de coletivos humanos e animais (editora 7Letras).

Em breve teremos uma entrevista exclusiva com nosso convidado, e também inauguraremos, no mês de maio, nossa sessão de vídeos no blog, com as duas palestras de 2013. Acomapanhem-nos para maiores informações e também para uma surpresa (faremos um concurso valendo exemplares de nosso primeiro livro, aqui pelo blog. Fiquem ligados!). Bons filmes, e até lá!